Sobre tanta coisa que a gente não diz
- rpegorini
- 28 de jul. de 2024
- 2 min de leitura

Sou cheio de palavras não ditas. Escondido no sótão das minhas memórias clandestinas existe um baú abarrotado de momentos covardes. Se Pandora o abrisse, emergiriam à luz da consciência as grandes frases certeiras, heroicas, impactantes, inquestionáveis e exemplares que nunca foram utilizadas na vida. E olha, houve muitas ocasiões nas quais a intervenção dessas palavras seria dramaticamente necessária. Mas ficaram aprisionadas num instante de hesitação, ou de cautela, e perderam a chance de mudar o curso da minha história pessoal. Não que a gente deixe de ser o que é pelo que se diz, mas deixamos de ser aquilo que poderíamos ter sido pelo que não é dito.
Entre as infinitas combinações que o destino nos propõe, talvez a bifurcação mais dolorosa seja o caminho perverso que nos leva à ignorância da verdadeira potência da nossa coragem. Considere-se que começamos a morrer desde o instante que nascemos, e cá está, neste segmento incontrolável do tempo, a busca pelo equilíbrio entre a santidade da perfeição, inalcançável, e a humanidade do possível, do realizável, a valorar as qualidades que nos fazem bons ou maus colegas, parceiros, amigos e amantes. Não há vergonha em ser humano nos piores dias, muito menos nos melhores. Há, sim, uma indelével sanidade na curiosidade sobre a parte enigmática da nossa presença na terra que se insinua, rompe alguma represa orquestrada pelas nossas defesas íntimas e prepara o coração para a batalha nossa de cada dia.
E como seríamos se o lado “perfeito” da nossa persona tivesse vencido, se as palavras heroicas, incontestáveis e contundentes tivessem aflorado elegantemente no momento certo? Que virtudes encobertas descobriríamos nesse processo? Nunca saberemos. Então por que tratar disso se não há resposta certa para perguntas irrespondíveis? Vou incluir aqui uma reflexão paralela, mas anexa a este assunto. Não se trata de despejar palavras valentes, altaneiras, audaciosas, intrépidas ou valorosas em ocasiões de intensa necessidade de coragem, de defesa da honra ou da argumentação. Então sobre o que mesmo trata este texto?
Talvez seja necessário agora mudar a rota do nosso olhar e voltar a atenção para o que se diz às pessoas que amamos, naqueles pequenos detalhes vazios de solenidade, mas repletos de significação. Nesse mesmo baú das palavras grandiloquentes jazem os elogios, as frases doces e atenciosas, os olhares interessados e todos os carinhos que, em forma verbal, perderam o vigor e acabaram adormecendo sem adquirir vida própria. Pior do que isso, privou-se a pessoa querida de receber um merecido momento de amor. Nunca saberão o quanto as amamos se soterrarmos essas palavras no baú, se não nos tornarmos o que poderíamos ser, se não falarmos o que precisa ser dito. Para amar de verdade também é preciso coragem.



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