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Sintra

  • Foto do escritor: rpegorini
    rpegorini
  • 11 de ago. de 2024
  • 2 min de leitura

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Poço iniciático na Quinta da Regaleira, em Sintra

“Não há um só recanto que não seja um poema”, escreveu Eça de Queiroz sobre a vila de Sintra, vizinha de Lisboa. Até hoje o povoado de Sintra recusa-se a ser elevado à condição de cidade, entrincheirado numa resistência calada, em defesa de algo que não nos é dado compreender estando nós séculos distantes dessa ancestral vivência suburbana.

Mas quem acaba conhecendo esse reduto, mesmo que seja por alguns escassos momentos, é invadido por uma nostalgia de tempos longínquos, aprisionado delicadamente por um encantamento que faz vibrar mais intensamente alguma saudade inexplicável. Inicia-se então um ciclo de afetos indescritíveis que alguns tentam completar como uma missão de vida, mesmo sem compreender o porquê da presença dessa poesia natural encravada nos mistérios da vila.

Pois era nesse território brumoso, um composto poderosamente sedutor de paisagens encantadoras e simbolismos infinitos, que o “nosso” Glauber Rocha queria encerrar a sua conta neste plano terreno, mas – antes que você pergunte –, não o conseguiu. O que Eça tinha poeticamente declarado, Glauber expressou de forma mais dramática: “Sintra é um belo lugar pra se morrer”. Cada um no seu estilo, cada um vê o que quer ver. O cineasta previu o ano de sua morte, mas errou o lugar: poucos dias antes de entregar os pontos e a alma ao Criador, foi levado de ambulância para Lisboa e de lá entrou no avião entubado para o Rio de Janeiro, onde morreu contrariado.

Mas que raios de atração Sintra faz brotar no coração de algumas pessoas? Será o seu ambiente nevoento, suas escarpas traiçoeiras, seus rochedos impressionantes, suas casas incomuns, em perpétuo crescimento regado pela imaginação de seus incomuns moradores, plantados numa cidade incomum? Ou seria a ambiciosa possibilidade de aprender e dominar linguagens outras da alma, percorrer atalhos para mundos escondidos e esquecidos?

Arrisco: que seja o fluido dos mistérios inomináveis que circula no coração das pessoas o que as empurra incontrolavelmente para esse inexplorado território da existência. Ali a natureza furou montanhas com seus desbravadores rios de lava e fúria, abrindo caminhos e conexões entre rochas e sentimentos nunca dantes percebidos. Acredito que exista, em cada coração, uma zona não iluminada, incompreensível para a razão, de inexperiências a abater, de vontades a serem consumidas e satisfeitas, de mistérios que podem ser deslindados. Ouso sugerir que essas querências habitam a região infantil da curiosidade e seu mecanismo opera modelado pela incansável persistência humana de entender o que se passa ao seu redor e dentro de si mesma. Pertencem a um universo de encantamentos no qual nunca obteremos respostas convincentes oriundas do terreno da lógica e, por isso mesmo, nos envolvem e nos atraem de forma irresistível. Assim é Sintra, a vila que se recusou a crescer.

 

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