Aconteceu depois do Natal
- rpegorini
- 25 de dez. de 2024
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Era uma noite quente e úmida, os corpos transpiravam mesmo na madrugada, quando as estrelas adormeciam pequenininhas no céu. Os homens seguiam os camelos modorrentos no escuro para fugir da crueldade do sol. Mastigavam damasco compulsoriamente, tentando manter o corpo hidratado e ocupado com algo que não fosse o torpor da solidão no deserto. Ao longe já se viam as luzes da cidade, talvez mais duas horas de caminhada até atingir algum ponto de descanso para a tropa.
Mas no caminho havia uma casinha humilde e isolada, construída com pedras e soldada com barro e palhas, coberta com telhado de feno e ventilada por janelas pequenas, tapadas por tábuas improvisadas. A luz da lareira bruxuleando e a fumacinha saindo da chaminé denunciavam a presença de alguém acordado ainda nessa hora da madrugada. Os três reis resolveram, então, ir pessoalmente falar com o morador da casinha.
Moveu-se a porta antes mesmo que alguém chamasse ou batesse palmas. Rangendo clamorosamente, a porta abriu e apresentou a figura de uma velhinha, lenço branco na cabeça, andrajosa e desdentada, mas muito simpática.
- Vocês demoraram.
Sem que ninguém tivesse informado, a velhinha sabia que a jornada sofrera alguns percalços, distribuídos criminosamente pelo Rei Herodes por toda a Judeia. Tentavam evitar as ordens de massacre dos inocentes, presentes em cada povoado, e por isso também viajavam à noite. La Befana acolheu os viajantes, apontou os caminhos desconhecidos da guarda pretoriana e os provisionou de água, queijo e amêndoas para garantir a saúde dos tropeiros em sua missão sagrada. Depois do descanso e antes de retomar a estrada, Gaspar ainda conseguiu ver a vassoura de palha levitando no canto da sala.
La Befana despediu-se deles com os olhos já marejados de arrependimento, porque o futuro era um livro aberto na sua cabeceira. Deveria ter acompanhado o séquito. Era a sua oportunidade de conhecer a maravilha que estava chegando ao mundo, anunciada pelo movimento dos céus e pela estrela solitária que se impôs no firmamento, guiando os reais andantes no seu caminho de luz. Desde então, para aplacar a dor da contrição, tem usado aquela vassoura para encontrar em cada criança desse mundo a santidade perdida num momento fugaz no firmamento, quando pôde descobrir a magia do Natal, mas a deixou escapar pelas areias do deserto da solidão.
A lenda da Befana é uma tradição natalina italiana que mistura elementos folclóricos e cristãos. Segundo a história, a Befana é uma velha senhora que voa em uma vassoura na noite de 5 para 6 de janeiro, véspera da Epifania, visitando as crianças para deixar presentes. Reza a lenda que os Reis Magos, em sua jornada para encontrar o Menino Jesus, pararam em sua casa para pedir informações e convidaram-na a acompanhá-los. Ela recusou, mas depois, arrependida, tentou encontrá-los levando presentes para o menino. Incapaz de localizá-los, passou a distribuir presentes a todas as crianças, na esperança de encontrar o Salvador. Desde então, a Befana é representada como uma figura bondosa, mas travessa, que deixa doces para as crianças bem-comportadas e carvão para as travessas. Essa tradição é especialmente forte na Itália central, onde festas e desfiles celebram sua figura icônica.
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