top of page

018 | The Sound of Salzburg, a cidade de Mozart

  • Foto do escritor: rpegorini
    rpegorini
  • 26 de abr.
  • 11 min de leitura

Atualizado: 28 de abr.

Dia 18 - 14 de janeiro de 2008 – Áustria / Salzburg

 

No dia seguinte, saímos do hotel e passamos pelo Mirabel Schloss, no centro da cidade, castelo do arcebispo construído no começo do séc. XVII, mas tão bem conservado que parece ter sido construído no dia anterior. Para falar a verdade, nem parece um castelo, parece mais uma enorme mansão. Hoje é a sede administrativa do governo salzburgense. Ali fica o já citado Mirabellgarten, maravilhoso jardim, cenário de uma das músicas mais famosas do filme Sound of Music, talvez a que mais tenha caído no gosto popular, a maravilhosa “Do-Re-Mi”, dos inspiradíssimos compositores Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II. Essa canção foi composta com uma verdadeira intenção de tornar o ensino de música uma coisa lúdica e interessante, tal a força criativa que Hammerstein conseguiu propor na letra. E essa associação que ele fez de cada nome de nota com uma imagem apropriada para melhor memorização foi acompanhada com muita felicidade por Rodgers, que usou a escala musical para transpor os versos em camadas como um jogo musical. A música é envolvente de tal forma que quem a ouve uma vez a repete facilmente logo em seguida.

ree
ree


Passeamos um pouco pela cidade e atravessamos para a margem esquerda do Salzach, para visitar o centro histórico e conhecer a Mozart Geburtshaus, a casa onde Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, o último dos sete filhos do casal Anna Maria Petl Mozart e Leopold Mozart, nasceu em 27 de janeiro de 1756 e onde a família Mozart viveu até 1773. Mais tarde, seu pai, um cantor, violinista e compositor reconhecidamente talentoso, mudou o nome do caçula para Wolfgang Amadeus Mozart. Os quartos que um dia foram ocupados pela família Mozart hoje são um museu. Eu diria que mais do que um museu, é uma instalação interativa permanente. Você entra no primeiro quarto e dá de cara com um berço. E neste berço tem um boneco com tamanho de criança, mas com feições propositalmente adultas, se trata de uma “obra de arte” de um artista local. Representa a infância perdida daquela criança que desde cedo, em virtude do seu imenso talento, teve que deixar as brincadeiras de lado e estudar música, ensaiar compulsivamente vários instrumentos e viajar pelo mundo para se exibir junto com sua irmã Nannerl (Maria Anna Mozart). Retratos da família, móveis, instrumentos, pinturas da cidade na época da infância de Mozart etc. continuam preservando a atmosfera iluminista da época. Mas tudo montado de maneira que você tem que olhar, recolher-se um pouco ao seu íntimo e meditar sobre a figura do músico e sobre sua família.


ree

Foi dentro destas paredes que o pequenino Mozart começou a demonstrar a seu pai a descomunal facilidade que tinha para lidar com as notas musicais. Até no teto das salas tem-se elementos para provocar estes insights e fazer com que o visitante reflita um pouco sobre os verdes anos do gênio. E foi neste estado espiritual meio zen, meio yng-yang, meio resgate psico-histórico, que entrou uma família barulhenta, disposta a quebrar a magia e o encanto da serenidade.

 

Enquanto estávamos impregnados daquela atmosfera mozartiana, entrou o pai acompanhado da mãe e os filhos fazendo o maior estardalhaço. Apesar dos pedidos das pessoas que cuidavam do museu para que não tirassem fotos, os intrusos se amontoavam ao lado do berço, na frente dos retratos etc. fazendo poses infantis, batendo fotos descaradamente e rindo alto, falando alto, ou seja, perturbando enormemente a curtição de quem estava lá. Simplesmente não conseguiram entrar no clima do ambiente e logo, logo, se desinteressaram e foram embora, reclamando alguma coisa  de todas as gerações da família Mozart.

Se você for visitar a Geburtshaus um dia, não espere ver um museu convencional. Lembre-se que ali, numa tarde ensolarada de 24 de janeiro de 1761, Leopold anotou que o pequeno Wolfang aprendeu um Scherzo de Georg Christoph Wagenseil em meia hora, quando ele tinha quase cinco anos. E isso foi a desgraça e a glória daquele menino que recém tinha parado de urinar na cama.

Ainda em 1761, o pequeno Mozart surpreendeu enormemente seu pai. Segundo Johann Andreas Schachtner (1735-1795), trompetista da corte de Salzburgo e amigo da família, em uma carta a Nannerl datada de abril de 1792:

Certa vez acompanhei seu Papa (Leopold) à casa de vocês, após o serviço religioso da quinta-feira. Encontramos Wolfgangerl, que tinha então quatro anos, às voltas com uma pena.

Papa: "O que você está escrevendo?"

Mozart: "Um concerto para cravo; estou quase acabando a primeira parte."

Papa: "Deixe-me ver; isso deve ser algo realmente notável!"

Leopold pegou a folha e mostrou-me uma lambuzada de notas, escritas na maior parte sobre manchas de tinta apagadas com um lenço [...]. A princípio rimos daquele aparente absurdo, mas aos poucos seu pai começou a perceber o principal, as notas, e a música. Durante um longo tempo ele ficou examinando atentamente aquela folha de papel e, finalmente, lágrimas, lágrimas de admiração e de deleite, tombaram-lhe dos olhos. "Veja isso, Herr Schachtner", disse, "como tudo está composto tão corretamente e em boa ordem; só que é inútil, pois é tão extraordinariamente difícil que ninguém seria capaz de tocá-lo". Mozart interrompeu-o: "É por isso que é um concerto; é preciso praticar até conseguir tocá-lo. Veja, é assim que deve ser." E tocou, mas só conseguiu produzir o suficiente para que percebêssemos o que ele visava. Naquela ocasião ele tinha a concepção de que tocar um concerto era a mesma coisa que realizar um milagre. (Mozart – vida e obra - http://www.infonet.com.br/mozart/

Na Mozart Geburtshaus você pode comprar uma entrada combinada para a Mozart Wonhhaus, onde a família Mozart viveu entre 1773 e 1780, quando Mozart, insatisfeito por ser considerado um simples criado do arcebispo Hyeronimus Colloredo, pediu demissão do cargo e se mandou para Viena. Ali o papo é outro. Mozart, nesta época, já tinha excursionado por grande parte da Europa (Itália, França e Inglaterra), com seu pai e sua irmã. E tinha atingido um grande sucesso. Dá para ver que é um prédio de gente mais abastada, com móveis mais luxuosos, pinturas mais ricas, instrumentos mais aperfeiçoados etc. Há uma interessante seção que mostra as condições materiais em que a família Mozart viajava pelo mundo, suas malas, seus apetrechos, carruagem.


ree

Descreve-se ali, também, que, apesar de viver constantemente abrigada em cortes luxuosas, muitas vezes a família tinha que se hospedar em espeluncas. Eu nunca tinha pensava nesta questão - como os músicos que trabalhavam em várias cortes tinham que se sujeitar às condições de viagem: num dia eram hospedados em palácios e no dia seguinte tinha que encarar estalagens podres. No museu há também miniaturas dos palcos feitos por grandes cenógrafos para as óperas de Mozart. E mais coisas interessantes também, embora eu tenha lido que o grosso do material sobre Mozart está em Viena. Mas as duas casas de Mozart são paradas obrigatórias para quem visita Salzburg.


ree

Dali fomos caminhar à beira do rio Salzach, cujas águas límpidas, livre de poluição, atravessam a cidade de ponta a ponta. Uma espécie de calçadão, magnífico, acompanha praticamente toda a orla do rio e vê-se gente caminhando, gente fazendo jogging, andando de bicicleta, patins, gente com instrumento musical nas costas para todo o lado. Até idosos você encontra facilmente carregando algum tipo de instrumento. Explica-se isso pelo fato de que na cidade há inúmeras escolas de música, sendo que a mais importante é a Mozarteum, uma espécie de escola de estudos avançados em música. Em Salzburg há inúmeros e importantes festivais de música clássica, ópera e até festivais de marionetes (que são uma tradição salzburguense) têm casa própria, o Marionettentheather.



Passamos pela casa onde nasceu o famosíssimo maestro Herbert von Karajan, voltamos para o centro histórico de Salzburg e nos enfiamos na região mais típica de Salzburg, subindo a rua Getreidedegrassen e depois a rua Judengrassen. É como fazer uma viagem no tempo, passando por prédios medievais, renascentistas e barrocos, lojinhas típicas com seus cafés extremamente simpáticos (dizem que o nosso cafezinho surgiu na Áustria, sabiam ? Lá por 1680 os turcos invadiram aquela região e trouxeram a arte de fazer café) Os austríacos acrescentaram imaginação e criatividade e bolaram inúmeras formas de se fazer café). Outra mania de Salzburg também são os chocolates e licores à la Mozart. São chocolates e licores de tudo que é tipo, sempre com algum tipo de referência ao compositor. Instrumentos musicais também, claro, são artigos típicos. E vimos uma lojinha com milhões de ovos que presumimos ser de chocolate. Essas ruas são lindíssimas. As fachadas dos prédios e os ornamentados suportes de metal, verdadeiras obras de arte, onde eram colocadas as placas com o nome das lojas foram preservados e hoje todos os comerciantes obedecem ao mesmo estilo. Se é uma sapataria, pendurado na frente da loja há um sapato; se é um chaveiro, está pendurada lá uma chave na placa da loja. Instituída numa época em que a maioria dos habitantes não sabia ler, esta programação visual vem sendo respeitada através dos séculos, servindo para indicar que tipo de serviço ou produto a loja disponibiliza.

Agora vem a parte da Sound of Music Tour. Muita gente vai achar meio babaca esta parte. Se quiser, pode pular, viu ? Ninguém é obrigado a nada. Mas 44 anos depois do lançamento do filme, milhares de turistas ainda são atraídos a Salzburg para conhecer as locações do filme e os ambientes da história, que é real. Para quem não conhece, eu conto:

 

Em mil novecentos e vinte e poucos, o comandante naval austríaco George Von Trapp, viúvo, contratou uma noviça do convento Nonnberg (em Salzburg, claro) para cuidar de um de seus sete filhos. Militar sorumbático, George tratava seus rebentos como num quartel. A noviça Maria trouxe a música (por isso o “Sound of Music”) para dentro das vidas daquela família e conquistou o coração das crianças. George apaixonou-se por Maria e ambos acabaram se casando. Este é o argumento do filme. Mas a história verdadeira é mais impressionante que essas poucas linhas. Em 1935, George perdeu toda a sua fortuna quando faliu o banco onde estava depositada a sua fortuna. Para sobreviver, a família Trapp começou a participar de festivais de canto e a se apresentar em diversos palcos da Europa, fazendo enorme sucesso. Com a anexação da Áustria à Alemanha em 1938 e a chegada do nazismo, tiveram que fugir de Salzburg para a Itália e depois para os EUA às pressas, instalando-se em Vermont. Chamando a si mesmos de Cantores da Família Trapp, agora com dez crianças em vez de sete, três deles filhos de Maria e Georg, os Von Trapp passaram a guerra se apresentando em concertos por todos os EUA e depois pelo mundo. Em 1947, George morre de câncer. Após a guerra, fundaram a Trapp Family Austrian Relief Inc., uma entidade criada para enviar toneladas de roupas e comida ao povo austríaco afundado na pobreza e na fome do pós-guerra.

O livro escrito por Maria nos anos 50, The Sound of Music, virou um grande best-seller e foi transformado num grande sucesso musical nos palcos na Broadway. Dali foi levado ao cinema e, com a atriz Julie Andrews fazendo seu papel, foi um dos maiores sucessos cinematográficos de todos os tempos, faturando quase 1 bilhão de dólares em moeda atual apenas nos EUA. Entretanto, como Maria havia vendido os direitos de filmagem por apenas U$ 10.000,00, os Von Trapp não puderam se beneficiar do enorme sucesso comercial do filme. Alguns anos depois a família se separou e Maria e dois de seus filhos foram ser missionários no Pacífico Sul. Ela voltou aos Estados Unidos depois de algum tempo e morreu em 1987 em Vermont, aos 82 anos. Maria leu o roteiro do filme na época das filmagens e reclamou a Robert Wise: “Mas minha vida não foi assim que aconteceu, há muitas coisas diferentes do que se passou realmente”. O diretor respondeu: “Senhora, não estou filmando um documentário, mas um musical para Hollywood”. Em deferência à comovente história daquela senhora, Wise ofereceu a ela um papel de figuração. Ela é uma das freiras do convento Nonnberg no filme.

Chegamos na Marienplatz, descobrimos qual ônibus fazia o tour e subimos. A guia era uma inglesa vivendo há anos na Áustria, mas que não tinha perdido uma molécula do seu sotaque bretão e descrevia os lugares com aquele típico senso de humor britânico. Muito simpática, com um chapeuzinho coco e trancinhas (!), contava curiosidades sobre o filme, tais como a quase escalação de Yul Brinner para o papel do comandante Von Trapp, e como uma equipe visitou Salzburg em 1962 para escolher as locações do filme, que Edelweiss não é uma canção típica austríaca (portanto tiveram que encher o teatro de figurantes com a letra da música decoradinha para a cena do Festival no qual os Von Trapp fogem para a Itália), pequenos detalhes curiosos e saborosos sobre o filme, enquanto o ônibus se deslocava entre um local e outro.





Fomos ao castelo Leopoldskron, onde uma parte das cenas da casa dos Von Trapp foi gravada, principalmente aquelas em que aparece o lago (estava congelado quando estivemos lá) e a cena do bote (quando este vira e todos caem no lago), em que quase todos os atores ficaram resfriados por causa da temperatura da água. Outro lugar usado como cenário foi o Castelo Hellbrun, onde foi guardado o gazebo (aquela “estufa” de vidro na qual Liesl, a filha mais velha do capitão, canta a música Sixteen Going on Seventeen com seu namorado – que no enredo do filme se tornaria nazista mais tarde). Este gazebo originalmente ficava em outro lugar (outro palácio  onde foi realizada uma parte das filmagens), mas a visitação era tanta que os donos do lugar pediram para levá-lo para o Castelo Hellbrun, para os curiosos não ficarem incomodando. 

Dali o ônibus faz uma pequena viagem para St. Gilgen, onde nos deparamos com uma paisagem de roubar todo o fôlego do vivente, um deslumbre completo. Vê-se as montanhas ao fundo, o lago Wolfgang, as casinhas com teto esbranquiçado pela neve ... é demais.  Na pequena cidade de Mondsee, onde foram gravadas as cenas do casamento, as casa ainda são preservadas com seu colorido original, herança de uma época na qual se localizava uma casa não pelo número na rua, mas pela sua cor. Fantástico. O pessoal tem 40 minutos para passear pela cidade e foi onde quase nos perdemos do ônibus. Estava escuro já e voltamos para o lugar onde imaginávamos que estaria estacionado o ônibus. Mas cadê o ônibus ???? Claro que a primeira coisa que fizemos foi a mais importante: achar o culpado. A Maria dizia que era eu, mas eu claro, tinha certeza de que a culpa era dela, que tinha a função bem estabelecida na viagem de ser a minha “memória auxiliar”. A discussão não foi mais longe porque vimos algumas pessoas do nosso grupo passando e fomos atrás delas. E indo atrás delas, achamos o ônibus. Fomos mutuamente absolvidos.


ree

Então estávamos na Áustria e não iríamos tomar um porre de cerveja austríaca? Claro que não... à noite saímos com a firme decisão de não voltar até estarmos completamente embriagados. Para a consecução deste objetivo, achamos um pubzinho muito simpático na mesma Ignaz-Harrer-Strasse (quase voltamos ao restaurante do gentil garçom). E pedimos à mocinha do pub o que ela sugeriria para acompanhar nosso homérico porre. Ela trouxe uma tábua de queijos que vocês não acreditam. Queijo com castanhas, queijo com amêndoas, queijo com pistache, queijo com nozes, era queijo de tudo que era tipo. E a cerveja, nem tenham ideia. Descobri que tomamos nossa cerveja estupidamente gelada não só pelo nosso calor tropical, mas também para disfarçar o gosto horrível que ela tem, claro, quando comparada com a Pilsen austríaca, que é tomada gelada, mas não na temperatura antártica a que estamos acostumados para que isso não lhe esconda o maravilhoso sabor. Saímos dali quase de quatro. Enquanto a Maria subia ao quarto para providências urgentes de natureza biológica, fui ao bar do terraço e, depois de mastigar paroxítonas e proparoxítonas inglesas, consegui fazer com que o garçom me entendesse e por isso desci com mais quatro garrafas de cerveja num balde de gelo para o quarto. Banho de banheira com cerveja austríaca foi uma das experiências mais fantásticas que eu consegui esquecer por causa da carga etílica da noite...

 


 

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page